sexta-feira, 12 de julho de 2013

A arte como terapia

A arte como terapia


Conheci a Fernanda Rodriguez através desse blog. Nessas voltas inexplicáveis da vida, ela, que sempre trabalhou com crianças especiais, acabou tendo um filho autista. Isso foi mais um combustível para a idealização e construção de um espaço muito legal no Rio de Janeiro, que trabalha com essas crianças de uma forma muito diferenciada: usando a arte. Pedi pra ela escrever esse guest post e explicar tudo pra vocês! Enjoy!

A arte como terapia

Fernanda Rodriguez: arquivo pessoal
Fernanda Rodriguez: arquivo pessoal
Para falar sobre o meu trabalho, preciso falar um pouco sobre o meu percurso profissional. Estudei Psicologia em uma época em que a inclusão era exceção, era feita apenas por pessoas de “boa vontade”. Neste período, havia clínicas que funcionavam como hospital-dia para crianças com necessidades educativas especiais, inclusive autistas. Um dos meus primeiros estágios foi em uma destas, onde aprendi a viver de formas diferentes com um grupo de meninos atípicos. Passei um ano diariamente aprendendo a me aproximar, a brincar, a cuidar , me envolvi profundamente com cada um deles e tenho essas lembranças muito vivas e guardadas com alegria e carinho.
Alguns anos depois, surgiu um convite para trabalhar como psicóloga em um centro de estimulação precoce para bebês e crianças com risco para o desenvolvimento. Neste espaço, recebíamos bebês prematuros e crianças com síndromes genéticas, neurológicas e com transtornos invasivos do desenvolvimento. Este trabalho foi um marco na minha vida, já que todas as terapias eram conduzidas por equipes interdisciplinares.
As equipes interdisciplinares são uma espécie de modelo “híbrido” de terapia que têm como característica colocar membros de diferentes disciplinas – por exemplo, fonoaudiologia e psicologia – para trabalhar dentro da mesma sala de forma coordenada e, ao mesmo tempo, complementar com os pacientes. E isso exige um trabalho extra do terapeuta: aprender a lidar com a equipe além do seu paciente. Este trabalho, quando realizado de forma verdadeira e com uma equipe bem “sintonizada”, pode ter um potencial incrível.
Em pouco tempo dentro da instituição, dei mais alguns passos, desta vez, em direção às famílias, pois percebia que havia um descompasso entre elas e os terapeutas em grande parte das vezes, e isso comprometia o trabalho. Ninguém ali, no meu ponto de vista, poderia esquecer que cada um daqueles pequenos pacientes tinha uma família com suas peculiaridades, e que entendê-las e chegar cada vez mais perto era essencial para um trabalho mais eficaz e autêntico.
Deste sonho – que já era, em parte, a essência da Interação Pais e Filhos (mesmo que eu ainda não fizesse ideia) – surgiu um desejo de crescer e de saber cada vez mais! Então, parti para um Doutorado em Psicologia Clínica para estudar as relações: pais, filhos com necessidades especiais e equipe terapêutica. Deste fruto, já amadurecido, nasceram várias ideias e mais vontade de me aprofundar nas áreas de terapia de família e psicologia do desenvolvimento.
Depois do Doutorado, veio a realização de um grande sonho: o da maternidade. Com o nascimento dos meus filhos, que hoje têm 4 e 2 anos, nasceu também uma mãe atenta, cuidadosa, perplexa diante do aprendizado que a própria vida oferece. A experiência de ser mãe reconfigurou e me fez rever vários dos meus estudos.
Meus dois filhos me ensinam mais do que eu poderia imaginar. São duas crianças muito diferentes: o menino tem Transtorno Global do Desenvolvimento e a menina tem desenvolvimento típico. Com tantas diferenças que passam pela personalidade, gênero, estilo, aparência e todos os detalhes de cada um, pude entender como o universo que cerca os cuidados infantis precisa estar preparado. O que é bom para um pode não ser para o outro. O que causa curiosidade em um pode não ser um desafio para o outro também. Seus interesses, motivações, habilidades e potencialidades são distintos.
No mundo universitário, pude constatar que as pesquisas, hoje, avançam na velocidade da luz. Em contraste, na clínica e na escola, as mudanças se dão de forma muito lenta, algo que vai além do conservadorismo. Em consequência, meus mais novos sonhos eram unir, de alguma maneira, esses dois universos. Algo inovador, mas que pudesse ser muito bem respaldado por pesquisas consistentes e por profissionais experientes – e, ainda, que passasse no “crivo” de uma mãe exigente. Assim, nasceu esse “filho da maturidade”, após 17 anos de consultório e pesquisa.
Neste projeto, o desenvolvimento da criança típica ou atípica (de 0 a 6 anos) é mediado pelas artes (cênicas, visuais, musicais e literárias) através de oficinas que acontecem de 50 em 50 minutos, nas quais um professor de artes e um psicólogo ou pedagogo trabalham em sala com até 6 crianças (que podem estar acompanhadas dos pais, se for necessário). Cada criança pode participar de quantas oficinas desejar (respeitando apenas o número máximo de participantes e a faixa etária da atividade).  Os pais costumam trazê-los de 1 a 3 vezes por semana.
O projeto da Interação Pais e Filhos foi desenhado com a mesma ideia de potencializar o desenvolvimento da criança, engajando os seus pais nas suas conquistas. Além disso, respeitar a singularidade da criança e planejar atividades que lhe despertem a curiosidade, o motor do crescimento e da aprendizagem. Neste sentido as artes despertam (ainda que de diferentes formas, em diferentes crianças) o prazer da descoberta e a possibilidade de transpor o desafio. Tudo isso, sem uma imposição do certo e do errado porque, na arte, isso não existe (mesmo!).
Nas oficinas de artes plásticas com música, por exemplo, vários materiais são utilizados, e o ritmo pode inspirar os nossos pequenos a arriscar pinceladas diversas ou mesmo pintar um “mar” para mergulhar, nadar ou dançar. Há muito planejamento, mas sem perder a necessária espontaneidade de transformar uma atividade em outra ou seguir em uma nova direção a partir das demandas das próprias crianças. No nosso espaço elas podem SER: se sujar, explorar, aprendendo limites e gerando segurança, confiança, estabilidade emocional, assim como desenvolvimento cognitivo e artístico.
Fernanda Travassos Rodrigues é  pesquisadora do Núcleo de Estudos Clínicos e Psicossociais em Terapia de Família e Casal da PUC-Rio. Estuda, sobretudo, as relações de pais e filhos na contemporaneidade. É supervisora dos estagiários que vão a campo trabalhar em instituições que ofereçam algum tipo de atendimento em âmbito clínico ou educativo para crianças com transtornos do desenvolvimento. E ainda professora da Especialização em Terapia de Família e Casal também da PUC-Rio.

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